Contra todas as nossas vontades e planejamento nossa última estadia na Indonésia acabou sendo na famosa e turística ilha de Bali. Foi uma visita meio que forçada devido ao furo em nossos planos originais de visitar a ilha de Flores e mergulhar em Komodo. Graças ao fim do Ramadã e a dificuldade de transportes para lá partindo do sul de Sulawesi, acabamos vindo para Bali para passar os últimos cinco dias de Indonésia.
Não que essa mudança de roteiro tenha sido ruim, afinal, quem pode reclamar de ficar quase uma semana de papo pro ar em Bali?
Uma das mil portinhas que levam ao paraíso. Em casa detalhe um jardim escondido.
Como estávamos vindo de Bira e nos últimos tempos estávamos sempre em praias, decidimos conhecer o interior da ilha, famoso por seus campos de arroz e templos antigos. O local escolhido – graças a uma super promoção da Agoda – foi a vila de Ubud.
A pequena cidade já foi conhecida como o centro das tradições da ilha, o local que ainda guarda uma família real e concentra uma enorme quantidade de templos.
Ganesha em um dos templos escondidos na cidade.
Nos anos 90, devido ao retiro de vários artistas plásticos para o local, Ubud transformou-se numa espécie de meca artística do sudeste asiático, juntando todos os hippies e bichos-grilos de olhos puxados que resolveram abrir seus ateliês e disputar espaço com templos e arrozais. Aí veio Hollywood com aquele filme horroroso “Comer, Rezar e Amar” e catapultou Ubud ao estrelato do turismo de massa, onde cada senhora do mundo espera encontrar seu brasileirofakeao sair dos ônibus vindos dos resorts de Kuta (Javier Barden bem que tentou, mas não deu pra salvar o filme...).
Nesse sentido foi bom ter ficado mais tempo no local, pois mostrou que nos fim de semana o bom mesmo é aproveitar o seu hotel ou algum lugar remoto, longe do centro que fica apinhado de ônibus turísticos lotados de gente ávida por “cultura” balinesa e bugigangas do centro comercial.
Estátua no Palácio Real.
Por outro lado, durante a semana a vila fica vazia e é fácil gostar do lugar: muitos restaurantes pequenos e dos mais variados (achamos até um cubano legítimo!), ótimas lojinhas de produção local (roupas, jóias, etc) e um excelente supermercado – rolou uma lágrima no rosto da Gabi quando ela conseguiu comprar um pedaço de queijo gruyere.
Posto de gasolina balines.
No próprio hotel alugamos uma lambreta que nos permitiu descobrir o lugar no nosso ritmo. A primeira parada foi o templo dos macacos, um parque bem bonito e lotado desses amiguinhos malandrões que nos lembraram de outro filme: Rio – onde os macacos em quadrilha roubavam os turistas desavisados.
"Tô de olho!"
Aqui é a mesma coisa e tudo que se tem na mão parecido com comida será devidamente surrupiado por esses pequenos demônios – até garrafa d’água!
Visitamos inúmeros templos, alguns misturados com outras construções mais modernas e podem passar desapercebidos. Vale explorar a pé as ruazinhas e tentar sair um pouco do centro comercial para descobri-los ao acaso.
Um programa bem legal é o show de dança balinesa promovido no templo Para Saraswati (esse também vale a visita de dia e fica atrás do Starbucks).
Templo de Para Saraswati.
Em meio a um templo todo iluminado, uma orquestra formada só por mulheres toca músicas tradicionais para jovens dançarinas interpretarem através da dança lendas indonésias.
O que parece ser uma armadilha para turistas (e são várias apresentações com essa finalidade) se mostrou uma apresentação muito bem produzida e feita por gente séria.
O espetáculo todo é formado só por mulheres.
Na verdade esse grupo de dança tem quatro apresentações diferentes espalhadas por Ubud, sendo cada uma representante de um tipo de dança e suas respectivas lendas. Vale escolher uma delas e se divertir. A dica é comprar o ingresso com antecedência, principalmente no fim de semana.
A simpatia do show!
Quem rouba o show são as pequenas dançarinas vestidas de coelho: crianças que apesar de super compenetradas não se importam muito quando erram a coreografia e dão um espetáculo de simpatia.
O lugar do show, o templo de Pura Saraswati, também é incrível, com um lago cheio de flores de lótus – imperdível.
Meninas coloridas em frente ao jardim de lótus.
Outro passeio bacana é o museu de arte Agung Rai, conhecido na região pelo acrônimo ARMA. Muita arte balinesa em um cenário cheio de jardins e esculturas ao ar livre.
Gabi lê em frente a uma das alas do museu.
Os cinco dias que tivemos em Bali serviram pra descansar mais ainda e preparar o coração para nosso último país antes de embarcar para os Estados Unidos como escala para o Brasil. Foi lá que começamos a refletir sobre o que tudo isso significou pra gente. A sensação do fim da viagem, do fim dessa volta ao mundo, começou a trazer uma nostalgia que ainda não se dissipou totalmente. Foi lá que escrevi meu texto de maior reflexão sobre viajar (aqui), olhando Gabi tomar sol na piscina no meio de uma manhã preguiçosa.
Talvez, a tranquilidade e paz de espírito que a personagem de Julia Roberts foi buscar em Ubud tenha se infiltrado em nós, transmitida meio que inconscientemente - apesar de nossa rabugice com o filme.
Bira foi nosso destino final em dois
sentidos. A ponta sul do arquipélago de Sulawesi foi o fim de nossa incursão
por essa parte tão desconhecida da Indonésia e também a despedida de Celina e
Gambi (pais da Gabi) nessa visita especial no fim da nossa viagem.
E que cor de mar é essa?
De lá, a
contragosto pegaríamos um avião para a ilha de Bali, onde esperaríamos por mais
cinco dias para tomar outro voo com destino ao nosso último país do Sudeste
Asiático: as Filipinas. Seguiríamos a contragosto para Bali pois a ideia
original era usar um ferry boat que sai de Bira com destino à ilha de Flores,
ao sul, e conseguir mergulhar em Komodo.
Mergulhos sensacionais!
Porém, em época de fim Ramadã não
conseguimos as passagens a tempo e perdemos a oportunidade. Ficou aí, a deixa
pra voltarmos em outra oportunidade para a Indonésia.
Bira é o extremo sul da ilha, uma
cidadela perdida de frente para um mar transparente e cheio de vida, com praias
de areia branca e gente tranquila. As opções de hotel ou pousadas são bastante
precárias – nem querendo gastar muito se consegue um hotel com um pouco mais de
luxo. E essa foi a melhor maneira de darmos adeus a essa parte da Indonésia que
em sua simplicidade, conseguiu quatro fãs incondicionais.
Fundo do mar lindo.
A falta de estrutura deu um charme a
mais para a curta estadia de quatro dias que passamos por lá. Ficamos alojados
na pousada Sunshine, uma casa no alto do morro com vista para o mar, seis
quartos bem básicos e dois banheiros coletivos.
Toda essa simplicidade era
complementada pelos três bares/restaurantes da vila que invariavelmente
ofereciam as mesmas especialidades indonésias que já estávamos acostumados: Mee
Goreng ou Nasi Goreng – arroz frito ou macarrão frito.
Gabi na porta do nosso restaurante/bar de todo dia...
O grande atrativo do povoado é o mar
transparente e cheio de corais, tartarugas e tubarões. No entanto, a praia da
vila em si não é a mais atraente. Os nativos são unânimes em indicar a praia a
mais ou menos três quilómetros do centro para os turistas ávidos por areia
branca, a palmeira ocasional e o mar tranquilo, azul da cor do céu.
Praia deserta é por aqui!
Com muita
sorte, a caminhada de volta da praia, no fim do dia, pode trazer uma família de
macacos proboscis (aquele do narigão!) para animar o esforço do retorno.
Pescador encarando o sol em grande estilo.
Caso andar por estradas de terra por
longas distâncias não seja a sua praia, alugar uma lambreta é a saída. Em
qualquer pousada ou mesmo nos restaurantes é possível alugar scooters
automáticas e sair descobrindo praias desertas.
A praia das embarcações tradicionais.
Foi exatamente o que fizemos.
De posse das turbinadas motocicletas seguimos para a praia de Timur, lugar
conhecido na região pelas construções de barcos artesanais. A imensa praia de
areia branca e mar azul-esverdeado realmente é incrível, mas prepare-se para
nenhuma infraestrutura. Assim que chegamos lá, o sol castigava tanto que
ficamos boas horas procurando uma sombra.
A vida é dura no paraíso tropical.
Foi nessa praia que encontramos um
grupo de garotos brincando e fazendo “pose de mal” para cada clique da máquina
fotográfica.
A gang da praia!
Sem nenhuma possibilidade de comunicação pela língua, entramos num
acordo entre mímicas e desenhos na areia. Ao mostrarmos pelo mapa, desenhado,
que éramos do Brasil, a língua do futebol passou a vigorar.
O velho truque de desenhar o mapa-mundi e apontar!
Era uma velha
conhecida nossa, afinal o mundo inteiro reconhece a terra verde e amarela como
Ronaldo-land. Foi um momento de muita bagunça e troca genuína entre pessoas que
vivem do outro lado do mundo, como foi comprovado pelos desenhos na areia.
Algazarra.
Gambi, Gabi e eu ainda aproveitamos
o mar paradisíaco para mergulhar com a escola Bira Divers. Em um dos pontos que
descemos o mergulho se mostrou uma jornada alucinante de correnteza forte, com
visibilidade de incríveis 50 metros!
Apesar da vida marinha não se
comparar a outros pontos que mergulhamos na região, Bira não decepciona no
quesito divertimento.
Foi o mergulho de correnteza mais forte que já fizemos,
verdadeira montanha russa! De quebra, ainda vimos alguns tubarões, tartarugas,
moreias e vários peixinhos de coral.
Peixe-Gabi.
Pra quem não gosta de mergulhar vale
a pena contratar um barqueiro na praia da vila para passar o dia de praia em
praia, com nadadeiras, máscara e snorkel nos corais rasos (1,5 a 2m), repletos
de peixinhos coloridos e um mar que alucina de tão transparente.
Yatch particular!
Corais rasos, fáceis de explorar.
Bira pode ser considerada a pequena
vila que fez dessa parte de nossa viagem as “férias dentro das férias”: um
lugar tranquilo, cheio de calma, mas que guarda paisagens perfeitas dignas de
cartão postal. Dentro e fora d’água.
Após vários dias de praia e mergulho
começamos a nos preparar para o que talvez tenha sido nossa maior experiência
antropológica em toda viagem.
Ainda acompanhados da inestimável companhia de
Celina e Gambi (que bravamente aguentavam os “perrengues” do nossopercurso) pegamos um avião em Manado para
descer em Makassar, no sul da ilha de Sulawesi, com destino certo: conhecer Toraja.
Relevo com motivo torajano.
Trata-se de um grupo étnico nativo
da região montanhosa do sul da ilha de Sulawese. O interessante sobre esse povo
é sua impressionante relação com a morte, os rituais funerários, criptas
incrustadas na rocha, arquitetura e incrível habilidade de esculpir em madeira.
Vila torajana.
Após muitas tentativas frustradas em
conseguir dados sobre o lugar e qual o melhor jeito de conhece-lo, conseguimos
localizar através de recomendações unânimes em fóruns de viagem (tripadvisor e
afins) uma figura local que é considerado o rei dos mochileiros em busca de
maneiras para chegar em Tana Toraja
(a terra dos toraja). Chamado de “Dodo the pen man of Makassar” (Dodo, o homem
das canetas de Makassar), esse funcionário aposentado da companhia elétrica
local resolveu usar suas amizades com alguns torajanos e acabou virando um
grande facilitador para turistas que querem conhecer a região.
A região é estritamente agrícola e vive basicamente da plantação de arroz.
Ele é uma espécie
de agente que faz absolutamente tudo por você: te pega no aeroporto, te leva
para uma de suas casas para o pernoite, arruma o motorista e carro pra te levar
para Rantepao (o pequeno centro urbano perto das comunidades torajanas),
reserva hotel e garante o melhor guia do lugar.
O escultor de tau-taus.
Parece pegadinha, mas depois de
mais de cinquenta indicações de gente do mundo todo, resolvemos arriscar. Onde
está o milagre eu não sei, mas o preço que ele cobrou não chegou a dois terços
do que consegui cotar sozinho. Recomendadíssimo!
Armazéns de arroz tradicionais.
Partimos rumo à Rantepao para uma
viagem de mais de cinco horas, literalmente montanha acima. O vale é bastante
bonito e as paradas nos mirantes valem a pena.
Parada obrigatória no caminho para Rantepao.
Chegando à Rantepao conhecemos nosso
guia, Enos, que nos deu a programação dos três dias que passaríamos explorando
a região. Minha ansiedade era com os funerais e ele logo garantiu que veríamos
pelo menos dois. Apesar de um breve introdução sobre alguns aspectos da cultura
local logo na chegada, nada nos prepararia para o que estava por vir.
Paramos para ver uma casa tradicional e acabei ganhando modelos mirins que adoraram a brincadeira com a câmera.
Cedinho na manhã seguinte, em um
clima nublado e chuviscando, nosso empolgado guia nos deu o aviso: “olha, vocês
sabem que durante as cerimônias funerárias existe o sacrifício de búfalos, se
vocês não quiserem ver, fiquem longe do centro do funeral”. Dentro do carro a
reação foi dividida por gênero: mulheres não queriam ver nada, homens queriam
ver tudo.
Tongkanam e o búfalo já sacrificado. Cenas fortes no filme abaixo.
Vamos para nossa parte National
Geographic do post. De acordo com nosso guia, boa parte dos torajanos ainda
seguem a religião original, o Aluk to Dolo,
segundo a qual deus criou o homem, a terra e o búfalo para viver em perfeita
harmonia. Em vida o homem deveria cuidar do búfalo para que ambos pudessem trabalhar
a terra. Na morte do homem, para recompensá-lo por ter sido bem tratado e
alimentado, o búfalo deveria ser sacrificado para levar a alma do homem ao céu.
Cenas de um funeral.
Tendo em vista que o búfalo é um
animal bastante caro por aqui e normalmente incorpora em si todo o patrimônio
da família, o sacrifício destes animais durante os funerais também passa a ser
um símbolo de status e poder. Quanto mais búfalos se sacrifica, mais rica e
poderosa é a família. O tipo de búfalo também é importante, sendo o albino sem
manchas o mais valioso.
Família chega em procissão em frente ao búfalo sacrificado.
Além do sacrifício dos búfalos, os
torajanos constroem em bambu enormes estruturas para abrigar toda a família e
comunidade que atende ao funeral. Esse evento, que chega a durar sete dias,
oferece abrigo e comida para mais de quinhentas pessoas transformando-se no
maior evento da comunidade na vida de um torajano. Em nossa cabeça cartesiana-liberal
de ocidentais a pergunta que não calava era: mas quem paga tudo isso?
Vila torajana e estrutura para funeral sendo desmontada.
E é ai é que está uma das
peculiaridadesdo modo de vida (ou
morte?) desse povo. Segundo nosso guia, uma pessoa passa a vida toda juntando
dinheiro para poder pagar seu funeral ou de seus pais. Contando que um búfalo
normal custa em torno de três mil dólares e que um albino pode chegar a mais de
trinta mil, pode-se ter uma ideia do que custa um funeral todo. Detalhe: o
número mínimo de sacrifícios considerado aceitável para um funeral digno é de
três búfalos. Ouvimos que em determinados funerais chega-se a matar mais de cem
animais. Isso sem contar a quantidade de porcos que são sacrificados e assados
na mesma hora para alimentar a multidão que acompanha os rituais.
Um porquinho foi ao mercado comprar frutas. Outro porquinho foi à padaria comprar pão. Outro porquinho foi à Toraja... e não voltou!
O sacrifício também tem uma função
social importante. Muito raramente o povo tem acesso à carne para compor sua
alimentação diária – justamente por ser um item muito caro. É justamente na
época dos funerais onde o búfalo morto que toda a carne é distribuída entre as
dezenas famílias que atendem à cerimônia, tendo o sacrifício uma função
nutricional significativa.
Distribuição de carne.
Vimos um búfalo inteiro, de pelo menos 300kg ser
morto e integralmente re-distribuído em menos de 45 minutos por quatro homens
com facas na mão que com uma habilidade impressionante destrinchavam o animal e
direcionavam as partes para os convidados. Nosso guia, em nosso segundo
funeral, saiu com uma sacola cheia de bucho – sua parte predileta do bicho!
Os profissionais.
Outra questão interessante nisso
tudo é que além dos sacrifícios e rituais, os torajanos não consideram o
“morto” morto até o dia de seu funeral. Antes disso o “presunto” é visto em
estado de doença gravíssima. Ou seja, ele não está morto (mesmo que tenha
morrido há vários meses, como acontece na maioria das vezes), mas sim ‘muito
doente’. O mais incrível é que o “pacote” continua deitado em sua cama
recebendo tratamento de doente: comida, bebida e cigarro!
Um cortejo.
Muitos mortos, muitos taus-taus.
Uma vez que toda a estrutura para o funeral leva tempo para ser construída e a família precisa estar reunida, além de levantar todos os recursos necessários para o evento, muitas vezes levam-se meses e até anos para que o nosso amigo “muito doente” morra de vez. “Mas não fede?” estava na cabeça de todo mundo mas só a Gabi teve coragem de perguntar. Nosso guia fenomenal, em sua paciência torajana nos explicou: “antigamente os curandeiros da comunidade vinham até o quarto dos doentes e ‘levavam o cheiro embora’. Hoje em dia usa-se formol mesmo...”. Sensacional!
Gabi ao lado das meninas da família do morto. Elas tem a função de receber os convidados.
Apesar de toda curiosidade e cultura
incrível que estávamos tendo a oportunidade de presenciar, uma das coisas que
mais nos chamou atenção nessa experiência toda foi a generosidade das pessoas
em compartilhar seus costumes mais íntimos.
Os mais velhos tem a preferência dos melhores lugares para se observar os sacrifícios.
Meninas em trajes tradicionais.
No segundo dia de exploração Enos
nos disse que participaríamos de um funeral de uma pessoa da família de sua
mulher. Perguntamos se não havia problema e a resposta que ele deu foi: “não se
preocupem, vocês são meus convidados”. Passamos em uma venda para comprar dois
pacotes de cigarro (o presente ideal para convidados em um funeral), e seguimos
para o meio de uma montanha.
As crianças no funeral se divertiram com o fotógrafo barbudo.
Ao redor de um tongkonan, casa de telhado em forma de cabeça de búfalo ou barco –
vai da preferencia do freguês – se encontravam umas quatrocentas pessoas e o
morto.
Vila torajana.
Fomos convidados a entrar em um dos camarotes de bambu reservado para a
família de nosso guia e junto com outros torajanos sentamos no chão forrado por
uma esteira de palha.
Nosso camarote.
Lá fora, a chuva fina e a matança de búfalos corria
solta. Eu ainda fiquei um bom tempo fotografando de perto (meio metro) o
sacrifício do búfalo e a reação das pessoas a esse ritual que não é nem um
pouco bonito.
O sacrifício.
A reação ao sacrifício.
Ao contrário do dia anterior em que
vimos um búfalo brigar por sua vida, esses dóceis animais simplesmente entregam
sua vida quase que com gentileza, que ao pouco se esvai pelo sangue que jorra
de seu pescoço. Em menos de cinco minutos dois homens munidos de afiadas facas
retiram seu couro e passados não mais que vinte minutos, já não há mais búfalo
nenhum, somente a poça de sangue.
20 minutos e já não tem mais nada!
A carne é distribuída entre as famílias
convidadas e a cabeça vai decorar a pilha de crânios do tongkonan da família. Em todo o processo há uma relação de respeito
entre o homem que é designado para matar o bicho, a posição que ele é colocado
no centro da cerimônia, sua cabeça orientada para o norte de maneira a
facilitar o caminho do morto ao céu. Respeito de quem dimensiona o privilégio
da vida e carrega nas mãos a responsabilidade pela morte.
O funeral na arte torajana.
Participar da cerimônia foi um
privilégio sem igual. Ninguém nos cobrou absolutamente nada, éramos mais uma
família entre tantas prestando suas homenagens a esse morto que nem
conhecíamos. Passamos várias horas entre as pessoas locais numa lógica de
compartilhamento.
A comida chegava sem distinção de quem era local ou
estrangeiro e com as mãos compartilhamos todo o alimento engenhosamente alocado
em um “prato” feito com papel. Carne de porco (será que conhecemos ele vivo?), enguia,
arroz, e vegetais misteriosos. Tudo muito gostoso, mas o melhor de tudo foi, na
verdade, saborear aquele momento.
Enos ainda nos levou a vários outros
lugares sensacionais. Um oceano de plantações de arroz margeavam as rochas que
abrigam os túmulos encravados na pedra.
Plantação de arroz e um tongkonam ao fundo.
Enormes urnas penduradas nos paredões
repletas de ossos e um “Tau-Tau” ou outro (figuras esculpidas em madeira
representando o morto) nos observando do alto de sua eternidade.
Uma urna funerária pendurada na rocha.
Túmulos.
Caverna com a ossada de várias gerações "enterradas" ali.
Tana Toraja é um lugar mágico que
preserva com orgulho um modo de vida que se torna cada vez mais raro num mundo
onde o turismo ‘étnico’ está na moda.
Tau-taus guardando os mortos na caverna.
A cultura e religião praticadas até hoje
desafiam nosso cérebro ocidental: guardar dinheiro para morrer? Uma festa de
mais de quinhentas pessoas para a celebração da morte? Sacrifício animal para
um morto que morreu há mais de um ano?
Vila torajana.
É tudo muito fascinante para nossos
corações e mentes que se distraem no meio de tantas cores e formas e se perdem
entre tantos significados e simbologias novas.
Mais estranho ainda, aos olhos
deles, é como nós perdemos o senso de preservação da família e da comunidade,
esse sim o verdadeiro significado de todos esses rituais.
PS: Quem quiser os contatos do Dodo ou do Enos, deixe um comentário abaixo.