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Caminhão da Africa Travel Co. |
Quando começamos a arquitetar nossa viagem pela África tínhamos
alguns lugares/atividades que queríamos muito fazer. Uma delas era conhecer in natura os últimos 700 gorilas das
montanhas que habitam a fronteira entre Uganda, Ruanda e DRC. O grande problema
para isso, no entanto, seria conseguir as permissões de visitação, concedidas
pelos respectivos governos e disputadas à tapa por turistas e agências com um
ano de antecipação – ou seja, mal começamos a ver os detalhes da viagem e já
estávamos atrasados.
Foi aí que o Ivan descobriu uma coisa interessantíssima que se faz
no continente africano – e há algum tempo bastante utilizada pelos nossos
amigos europeus, americanos e australianos: o overlanding. Considerando as dificuldades de transporte e obtenção
de permissões de trekking dos gorilas, algumas empresas especializaram-se num
tipo de turismo de aventura que busca contornar estas questões com algum
conforto mantendo ainda o gostinho de aventura na África.
Hoje há vários tipos de companhias extremamente bem estabelecidas
que oferecem tours muito bem pagos para todos os tipos de gosto, mas que partem
mais ou menos do mesmo princípio: um roteiro fechado (que pode ser de dias ou
meses), percorrido por um caminhão adaptado para levar passageiros, equipado
com cozinha e barracas para acampamento. A equipe é composta pelo motorista do
caminhão, um cozinheiro e um team leader
que conduz toda a patota de turistas.
E, acima de tudo, estas companhias providenciam transporte para os
lugares mais remotos e compram com bastante antecedência boa parte dos passeios
mais restritos –, no nosso caso, as permissões para a montanha dos gorilas. Em
poucos dias e depois de algum sufoco para encontrar uma empresa que ainda
tivesse disponibilidade para este roteiro, estávamos desembolsando uma quantia
obscena (para o nosso budget inicial) para realizar este sonho.
Compramos um pacote de 24 dias com a Africa Travel Co. e nós dois,
extremamente orgulhosos de nunca (nunquinha!) termos viajado de excursão, nos
rendemos à conveniência do overlanding
– e estávamos bastante desconfiados, pra dizer o mínimo.
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Mais um dia de estrada no caminhão. |
Começamos em Dar Es Salaam (Tanzânia) indo direto pra Zanzibar e de
cara já deu pra notar um dos principais fatores pelos quais se paga tanto: há
uma pessoa que faz tudo, absolutamente tudo, pra que você não precise pensar (o
team leader, se ele for bom). Para
quem estava numa bateria interminável de fazer cotação, descobrir como se chega
de um lugar a outro, cuidar das malas, passaportes e dinheiros, foi um luxo ter
alguém que simplesmente dissesse para qual direção tínhamos que ir e se
encarregasse dos vistos.
Fomos muito bem recebidos por uma turma que já estava viajando junto
desde Victoria Falls (Zimbábue), composta por 20 pessoas entre australianos e
ingleses dos 22 a 48 anos, todos bastante viajados e com espírito aventureiro. Abaixo
vamos tentar descrever, em termos gerais, como funciona o overlanding – até porque, como fomos saber depois, este esquema é
pouco difundido entre latino-americanos – que fizemos praticamente o mês de
novembro todo, de Dar Es Salaam (Tanzânia) à Nairóbi (Kenya), e nosso segundo Tour de Náirobi à montanha dos gorilas
em Uganda e de volta à Nairóbi.
TRANSPORTE
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Não é um ônibus!!! É um CAMINHÃO!!! |
Uma das grandes vantagens (se não a maior) do overlanding na África é percorrer longas distâncias em pouco tempo
e com algum conforto. O transporte consiste em um caminhão adaptado para levar
passageiros, com bancos estofados e bastante confortáveis. Na parte inferior há
espaço para armazenar suprimentos para viagem (alimentos, carvão, utensílios de
cozinha, etc), bagagens e equipamento de camping. Os team leaders fazem questão de reforçar que é um “caminhão” e não um
“ônibus” justamente para que não haja confusão e alguém imagine que vá dispor
de banheiro interno, ar condicionado, bancos reclináveis ou música ambiente.
Conforme o tempo passa este paquiderme motorizado acaba virando sua
referencia de “casa” (até porque boa parte da viagem se passa dentro dele): uns
biquínis pendurados na janela pra secar, um grupo jogando baralho na parte da
frente, um lixo no corredor, alguém comendo uma bolacha num
canto e outro pegando um livro no armário dos fundos. Há rotação de assentos
para que ninguém resolva se apegar muito a determinado lugar e quando o sol
começa a dar aquela ardida em um dos lados, todo mundo se movimenta pra
pendurar algumas khangas na janela e amenizar o ambiente. E quando você menos
espera já está todo afeiçoado pela sua favelinha ambulante.
ACOMODAÇÃO
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Nossa "casa-móvel" ao nascer do sol. Desta vez, no meio do Serengueti. |
A acomodação padrão já incluída no pacote é acampamento, sendo que
todo o material (barraca, estrutura e capa de chuva) é fornecido pela empresa e
a única coisa que você tem que levar é seu próprio isolante e sleeping bag. Ficamos surpresos com a
boa qualidade do equipamento, bastante diferente daqueles normalmente
encontrados no Brasil e, depois que você pega o jeito, fica fácil
montar/desmontar a tralha toda em 15 minutos.
Mais uma vez é preciso lembrar que, em princípio, trata-se de uma
viagem de aventura sujeita as variações de clima e terreno, permeada pelo
espírito “faça você mesmo” – ou seja, faça sol ou chuva, em morro ou areia, as
4h45 da madrugada você acorda de lanterna na cabeça preparada para enrolar
isolante, sleeping e desmontar
barraca com uma agilidade militar. Ainda na mesma toada e como a maioria dos
campings, o preço que se paga não permite exigir muito das instalações de
banheiros e chuveiros, e frequentemente a falta de luz, água, banho quente,
assentos de privada e/ou papel higiênico são acompanhadas pela expressão “T.I.A.” – This Is Africa.
Mas é justamente pelo fato de esta ser a proposta principal do tour que acaba tornando a experiência mais forte e reunindo pessoas muito bacanas
que estão dispostas e lidar com as situações mais adversas com muito risada e
bom humor. Em determinado momento você estará rolando de rir numa roda de
mulheres que discute qual a melhor técnica para se fazer xixi no mato e não
molhar (tanto) os pés, quem está com piriri hoje ou o eterno dilema chuveiro
gelado X banho de lenços umedecidos, e por aí vai.
De toda forma, em quase todos os lugares é possível pedir um upgrade de acomodação pagando-se a parte
– o que pode ser desde um chalé com banheiro dentro até uma tenda maior, tipo
safári, com varanda e banheiro compartilhado.
ALIMENTAÇÃO
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Laura, Piano e Camille preparam o almoço. |
Também inclusa no pacote, trata-se de café da manhã, almoço e jantar
preparados pelo cozinheiro com a ajuda dos passageiros para pequenas tarefas.
No café da manhã espera-se encontrar pão torrado, manteiga e geleia, frutas,
cereal, leite e café, além de ovos e linguiça ocasionalmente. O almoço é a
refeição mais leve, sendo normalmente um sanduíche para levar no passeio ou
comer em uma parada rápida na beira da estrada. O jantar é mais robusto mas de
preparo simples, sendo normalmente um carboidrato (arroz, macarrão, batatas),
vegetais e legumes (sopa ou refogados) e alguma proteína (frango, carne moída
ou bife).
Há diversas paradas ao longo da estrada para que os turistas comprem
lanches e água para consumo próprio, tendo em vista que as refeições são
bastante espaçadas – café as 5h, almoço as 12h e jantar as 19h.
No entanto foi neste ponto que tivemos experiências diametralmente
opostas com cozinheiros diferentes: o primeiro, Mwoi, foi absolutamente
maravilhoso, tinha cuidado, organização e limpeza invejáveis no preparo das
refeições e nos deixava com água na boca cada vez que sentíamos o cheiro da
cozinha – o que resultou, de forma justa, em excelentes gorjetas. Já o segundo
cozinheiro que pegamos, John, foi absolutamente terrível. Sem a menor vontade
de preparar minimamente uma refeição decente, passamos 15 dias a base de
variações insuportáveis do mesmo tema: batata, cenoura, tomate, pepino, cebola
e repolho, com frango e/ou carne moída ocasionalmente. O auge do mau humor de
todo o grupo foi quando nos deparamos com arroz e macarrão misturados com catchup
para o almoço.
TAREFAS
Antes mesmo de fazer o pagamento, as empresas de overlanding esclarecem que os clientes serão
requisitados a participar de tarefas diárias do tour como parte da experiência
cultural e interativa do grupo. De fato, logo no início da viagem o team leader divide os passageiros em
quatro times que executarão tarefas rotativas nas seguintes áreas:
a) Cozinha: ajudar a preparar as
refeições, lavando e picando os alimentos;
b)
Limpeza: lavar as panelas e
utensílios de cozinha – sendo que como regra padrão cada um lava os seus pratos
e talheres utilizados;
c)
Segurança: limpar o caminhão
por dentro e verificar se janelas e portas estão trancadas;
d) Carregadores: carregar e
descarregar os materiais mais pesados (mesas, cadeiras, caixas com utensílios,
etc)
NOSSA EXPERIÊNCIA
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Marco do acampamento selvagem no Serengueti. |
Recomendamos e faríamos de novo, sem dúvida - ainda que, conforme relatamos acima, a experiência depende bastante dos profissionais e do grupo.
Achamos que o overlanding, apesar de caro, vale a pena para quem tem pouco tempo e quer conhecer países de difícil acesso. Para quem viaja sozinho (mulheres especialmente) e está um pouco inseguro em viajar no continente africano, sem dúvida é a melhor opção para conhecer lugares maravilhosos e fazer amigos.
É claro que a proposta deste tipo de viagem não é pra todo mundo. Independente da idade, é obrigatório ter espírito jovem, estar disposto a encarar os perrengues com bom humor e ter uma boa dose de resiliência.
Para quem de início estava bem desconfiado que essa interação toda iria
rolar bem sem algum tipo de desgaste, fomos positivamente surpreendidos. Com
um bom team leader é impressionante
como as coisas simplesmente fluem e todos acabam cooperando com um grau
animador de alegria e bom humor – mesmo as 5 horas da manhã. Para quem viaja
sozinho, as longas horas de estrada são um chamado à interação e em pouco tempo
você já está se sentindo numa viagem com amigos da escola – com muita conversa,
algumas rodadas de baralho e invariavelmente uma (ou várias) cervejas no bar do
camping ao final do dia.
As pessoas que encontramos durante a viagem não poderiam ter sido
melhores: tranquilas, extremamente abertas e bem humoradas, nos permitiram
experiências muito gostosas, boas risadas e viraram excelentes amigos pelo mundo.
Para o casal aqui que estava muito bem resolvido com a sua lua-de-mel a dois,
confesso que deu uma dorzinha enorme no coração de se despedir de uma galera
tão legal, que aprendemos tanto e tivemos experiências tão intensas em tão
pouco tempo – e vão deixar, sem dúvida nenhuma, muita saudade.
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1o Tour: 1a fileira de cima pra baixo: Heath e Sally; 2a fileira: Mwoshi, Lindsey, Mwongi (Tour Leader), Camille e Ivan. 3a Fileira: Tai, Aaron e Laura. The Happy Bunch! |