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Fim da tarde em Stone Town. |
Zanzibar City, ou Stone Town, é uma cidade que estimula todos os seus sentidos do início
ao fim.
A chegada à ilha é uma afronta a qualquer ideia de mar que alguém possa
ter: a variedade dos tons de azul que vão do marinho ao turquesa fazem doer os
olhos pela beleza e transparência inacreditável da água. Ao pisar em terra, a
primeira lufada de ar traz a marca registrada para os próximos dias, numa
mistura de maresia com a umidade característica do local. Se fechar os olhos pode-se pensar que chegamos à Belém do Pará.
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Molecada brinca na praia no fim do dia. |
Do minarete das
mesquitas, o chamado para as rezas ao pouco incorpora-se aos seus ouvidos como
a trilha sonora da cidade enquanto, do ponto de vista tátil, é impossível não
se surpreender com a transpiração contínua e prolongada de um calor
insuportável.
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Cena do labirinto de pedras. |
E, por fim, a explosão de
sabores desta ilha mágica: o chapati fresco recém torrado, a pimenta
verde ainda do cacho, e as delícias do Mercado de Peixes.
Zanzibar é uma provocação (consentida ou não) a qualquer tipo de
experiência prévia que se tenha tido no campo da visão, olfato, audição, tato e
paladar. A única reação possível é se render de forma irrestrita a esta viagem
sensorial, explorando o novo mundo que se apresenta e desafia toda e qualquer
referência ocidental/familiar.
A começar pela chegada em Stone Town. Adentrar seus labirintos
infinitos, com becos e ruas que se entrecruzam milhares de vezes, as casas
coladas umas nas outras ostentando o peso de suas famosas portas milenares, o
chão de pedra invariavelmente molhado – pela chuva, pela água das casas, pelas
goteiras do ar condicionado – tudo leva a um desespero inicial pela total e
absoluta desorientação. É com esta sensação que se entra pela primeira vez na
cidade de pedra – e, muito provavelmente, pelas próximas três vezes, pelo menos.
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Labirinto em Stone Town. |
Conosco não foi diferente, tudo isso somado ao desafio de tentar entender o
caminho que o nosso anfitrião nos mostrava para nossa hospedagem nas próximas
duas noites, outra experiência via CouchSurfing.
Chegamos à uma porta meio escondida, ao lado de
um beco/bueiro onde ele nos entregou a chave e nos desejou boa sorte. A casa
representa bem a moradia de parte dos habitantes de StoneTown: três andares sem
janelas construídos um sobre o outro sem qualquer referencia de engenharia profissional.
No primeiro andar ficam a sala e a cozinha, no segundo o quarto, banheiro e um
pequeno hall, e por último a laje, numa combinação perfeita de caixa d’água,
varal e uma cadeira para a fresca. Todos interligados por escadas
ex-tre-ma-men-te íngremes (do tipo que não dá pra escalar sem se agarrar no
corrimão) com piso composto por todos os tipos de restos de azulejos que se
possa imaginar.
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Exemplo de casa tradicional de Stone Town. |
A chegada na ilha já permite decifrar um de seus principais códigos
em tantas informações labirínticas: as regras básicas da cultura muçulmana.
Nada de shorts, alcinha, biquíni, sunga ou vestidinho curto num calor úmido de
aproximadamente 32oC.
Para as mulheres as regras ainda são mais agressivas:
não há uma moradora do arquipélago que não esteja coberta da cabeça aos pés
(literalmente) com as khangas
coloridas e uma bata preta por cima, ou ainda o bui-bui – que cobre também a face deixando apenas os olhos de fora,
por uma fresta negra.
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Mulher em passeio por Stone Town. |
As turistas brancas são frequentemente repreendidas em swahili por estarem com shorts ou
bermudas acima do joelho e/ou blusinhas de alcinha que não cubram os ombros. Os
homens na sua maioria vestem batas brancas de algodão com adornos/chapéus de
cabeça e os não tão tradicionais usam calça comprida e camisa – bermuda,
jamais. Na ala masculina a única surpresa era um masai eventual que aparecia
desfilando com seus trajes tradicionais onde o vermelho vivo e o azul royal
praticamente ironizam os padrões locais.
Em Stone Town - além de se perder incontáveis vezes pelas ruas da
cidade, observar a vida dos seus moradores, tomar um café e ver os ânimos se
exaltarem no jogo de dominó do Shark
Corner - vale ainda conhecer dois palácios transformados em museus.
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Menina nos observa. Nós, os "estranhos". |
O primeiro, o Palácio conhecido como House of Wonders, é o museu oficial da cidade, conta com um acervo
esforçado e diverso e dali é possível compreender melhor vários dos elementos
que compõem a fina trama da cultura do arquipélago. O que impressiona bastante
é a arquitetura do edifício que rende vista maravilhosa do seu último andar, partindo
de uma varanda aberta que margeia todas as faces do museu.
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Vista da House of Wonders |
Já o segundo, e
frequentemente negligenciado, é o Palácio da Princesa. Tive que
insistir muito pra ir – só porque era um Palácio e tinha sido de uma princesa
de verdade – e consegui até barganhar o valor da entrada pra convencer o Ivan
a entrar.
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Nós dois através do espelho da princesa! |
Grande surpresa: o museu particular conserva toda a mobília e
objetos de uso diário da antiga residência de um dos últimos sultões da ilha
bem como de suas duas esposas que dividiam o segundo andar. A riqueza de
detalhes, dos móveis, bem como algumas breves explicações sobre o protocolo de
uso de cada um tornam a visita ainda mais interessante. Ponto alto foi conhecer
os aposentos, tal qual eram usados na época, da Princesa Salme, uma intelectual
muito a frente do seu tempo. Criada dentro do regime de sultanato, aprendeu a
ler e escrever sozinha copiando as rezas do Alcorão, casou-se com um engenheiro
alemão e mudou-se com ele para a Europa onde, posteriormente escreveu um livro
que seria um dos primeiros registros fidedignos da cultura local. É dispensável
dizer que virei fã incondicional dela.
Um dos passeios mais tradicionais de Zanzibar é a Rota das
Especiarias, onde os turistas vão à uma chácara conhecer as origens da maioria
dos temperos que usamos hoje. O passeio é bem interessante e instrutivo e dá
pra ver a cara de espanto da maioria ao descobrir que o café é uma frutinha
vermelha que dá numa arvorezinha e que a star
fruit (carambola) não sai da árvore já como uma estrelinha feita. Mas à parte disso, descobrimos: que a pimenta dá em cacho e é uma trepadeira, que a
noz moscada é quase que uma obra de arte em semente, que a raiz da canela tem
exatamente o cheiro mentolado do Vicky.
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Quem adivinharia que isso é pimenta do reino? |
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Nóz moscada. |
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Cravo. |
O tour inclui ainda um almoço e aí sim tivemos um momento de puro
deleite: embaixo de uma cabana, sentamos no chão em roda e saboreamos arroz com
canela (pilau), espinafre com pimenta
verde, curry de côco, chapati e melancia.
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Gabi aguarda o banquete. |
De lá partimos para a pequena praia
de Mangapwani que além de suas águas turquesa coalhada pelas tradicionais dhows de pesca, há também uma caverna
que durante muitos anos foi usada como esconderijo para tráfico ilegal de
escravos negros.
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E a barba cresce... |
Seguindo nas delícias da culinária local que já havíamos
experimentado, para jantar nos aventuramos no Forodhani Garden - uma praça a beira mar que oferece comida de rua local. É impossível não ficar atordoada pelo
turbilhão de cheiros, cores e sabores entre lagostas, carangueijos, polvos,
lulas, peixes e camarões – que eles juram que são frescos e no dia seguinte
desenrolam os mesmos pobres coitados do papel alumínio – disputando espaço com
samosas, kebabs, chapati e churrasquinho grego.
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Muitas opções e muito assédio na feirinha de comida. |
Nos chamou atenção a pizza de
Zanzibar que, de forma bastante simplificada pode ser descrita como um omelete
com massinha, onde um moço mistura com agilidade impressionante dos dedos,
frango, tomate, cebola, queijo, ovo e especiarias e coloca pra fritar. Uma
delícia! Pra beber, caldo de cana com limão ou chai masala do vovô (Babu Chai) para os mais aventureiros. E para
fechar com chave de ouro a nossa aventura gastronômica, sobremesa de Nutela com
banana – que, pelo tamanho descomunal da fruta, nos foi explicado pelo vendedor
que era chamada de bilau de elefante - engraçadinho, não?
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Pizza de Zanzibar, bem boa por sinal! |
Um comentário:
gente... não vou falar DE NOVO que as fotos estão incríveis... Ivan, pode mudar de profissão!
Gabi: seu cabelo está IN-CRÍ-VEL! Arrumado ou desarrumado ele fica lindo #invejinha!
Saudades de vocês...
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