EM HOMENAGEM À NOSSA CENTÉSIMA FÃ NO FACEBOOK, ESTE POST É DEDICADO À LEITORA ELOÁ CHAVES! MUITO OBRIGADO PELO CARINHO DE TODOS E TODAS QUE NOS ACOMPANHAM NESSE SONHO!
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Há uma nuvem sobre Jerusalém. |
Assim como Deus, Jerusalém tem vários nomes e diferentes
significados para cada um de seus fiéis. Para os judeus, Ierushalein guarda as ruínas do Templo de Salomão, popularmente
conhecido como Muro das Lamentações. Este por sua vez, dá sustentação a um
terreno mais elevado no qual os muçulmanos têm o seu lugar mais sagrado, o
Templo da Pedra, onde acreditam que Maomé subiu aos céus. A poucos metros dali,
a Igreja do Santo Sepulcro preserva um dos maiores dogmas do cristianismo, por
ter sido o local da crucificação de Jesus Cristo, sua ascensão aos céus e
posterior ressurreição.
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Rua de comércio na Via Crucis. |
Esta pequena cidade circunscrita por seus muros guarda os principais
mistérios de três grandes religiões que trava(ra)m uma batalha inglória pela superioridade
de suas verdades e/ou prevalecências. Três significados diferentes de um mesmo
Deus e de sua história determinam, infelizmente, uma névoa de tensão constante
que paira sobre Jerusalém.
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Vista da cidade do alto do Monte das Oliveiras. |
Sentir isso na pele é parte fundamental para entender um pouco da
dimensão e complexidade de um conflito milenar que vai muito além da economia,
da política ou da religião. É transcender sobre a importância do significado da
fé como aquilo que dá sustentação a um povo.
Para percorrer as ruas históricas da cidade conscientes de onde estávamos
passando, começamos o dia cedinho com um tour oferecido gratuitamente (só a
gorjeta que é obrigatória no final).
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Parte do imenso mercado nas ruas estreitas de Jerusalém. |
Durante uma manhã inteira andamos pelos principais
pontos da cidade com um guia que, com muito jogo de cintura para lidar com um
grupo heterogêneo (tinha desde de freira até hare-crishna), foi explicando cada
situação. Gostamos tanto que, ainda no mesmo dia, decidimos fazer o tour pago
em seguida, fechando um dia inteiro de aula sobre a cidade da sagrada discórdia.
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A igreja do Sto. Sepulcro. |
A Igreja do Santo Sepulcro dá uma boa dimensão do tamanho do
problema – e isso só do lado cristão. A gestão religiosa e administrativa do
edifício histórico é milimetricamente dividida entre os gregos-ortodoxos, os armênios e os católicos. E isso não é forma de expressão: cada metro da
Igreja foi esquadrinhado por um documento chamado Status Quo que repartiu a propriedade de cada pedacinho para uma
ordem diferente. Ou seja, em um momento você está em território grego-ortodoxo,
em outro num altar que é católico e mais uns passos a frente numa parede armênia.
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Cerimônia Grego-Ortodoxa dentro do Sto. Sepulcro. |
A máxima de não se mudar absolutamente nada na Igreja é o que mantém
este equilíbrio frágil de convivência e toma forma numa famigerada escada de
madeira, destas de pintar parede, que na época da redação do contrato de
divisão estava lá e, portanto, continua lá intocável, até hoje – e ai de quem
resolver encostar um dedo.
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A famigerada escada. |
O nível da contenda vai ainda mais longe: logo atrás da capela onde
acredita-se ter acontecido a ressurreição de Cristo há uma tumba escavada na
pedra na qual referencias bíblicas apontam que pode ter sido a câmara funerária
de José de Arimatéia que a teria cedido para guardar o corpo de Jesus. O fato é
que o local pegou fogo há alguns anos e foi parcialmente queimado, prejudicando
a visitação. Até hoje não foi possível chegar a um consenso sobre quem faria os
reparos – aparentemente, se alguém se habilitar, este poderia reivindicar a
propriedade daquele pedaço. E como ninguém quer ser o causador da discórdia, até
que um milagre aconteça o sítio ainda vai ficar lá todo pretejado por um bom
tempo.
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Teto da Basília que envolve o local onde Jesus teria sido enterrado. |
E, lembrem-se, são todos cristãos. Basta dizer que até hoje, a chave
da Igreja do Santo Sepulcro fica nas mãos de um muçulmano que tem que abrir e
fechar o lugar todos os dias! Sem ter nada a ver com a história toda, essa foi
a melhor solução encontrada.
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Detalhe do teto da entrada da Igreja do Sto. Sepulcro. |
Dvir, nosso guia, foi muito delicado em ressaltar durante todo o tour
que, muito além de um destino de peregrinação, as pessoas vivem em Jerusalém.
E, maioria delas, só quer ter uma vida normal – só e tanto. As vezes é tanta
informação, tanta carga histórica e política, tantas disputas e discussões, que
a cidade fica desumanizada. E, como ele bem nos lembrava a todo momento, olha
ali um menino indo para a escola, alguém tentando reformar a casa e sendo
atropelado por uma excursão gigante, uma senhora estendendo a roupa no varal.
Existe vida em Jerusalém e ela quer ser vivida para além dos jornais.
Neste sentido, fomos passando pelos diversos bairros que abrigam
estas famílias. Sobre o teto de uma mesquita, Dvir nos mostrou de forma
divertida a linha divisória entre os bairros judeus, muçulmanos e cristãos.
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Policiais passam em belos cavalos no portão de Jaffa. |
Dali de cima, as casas com teto coalhados de aquecedores e boilers eram judias;
os que tinham antena parabólica eram de famílias muçulmanas e aqueles com teto
em estilo europeu e telhas avermelhadas eram de famílias cristãs. É claro que estas
divisões não são estanques e, quando passávamos pelo bairro árabe, vimos um playground para crianças que mais
parecia um bunker de tanto alambrado e arame farpado. Dvir nos explicou que
aquela era uma casa judia em bairro árabe e enquanto alguns falavam em
integração outros entendiam isso como provocação.
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Loja no bairro judeu. |
A complexidade do tema vai ainda mais longe. Por exemplo, literalmente
no teto da Igreja do Santo Sepulcro vive uma comunidade cristã ortodoxa etíope.
Ivan e eu quase não conseguíamos acreditar quando, no miolo de Jerusalém, fomos
imediatamente transportados de volta para a Etiópia. Subindo uma estreita
escada lateral da Igreja, passamos por capelas exatamente iguais àquela que
vimos em Addis Ababa até chegarmos a um pátio onde as tradicionais casas
baixas, com teto reto e portas pequenas formavam uma comunidade. Ali, aqueles
etíopes se estabeleceram e encontraram seu lar, vivendo em cima do Santo Sepulcro
e espremidos entre os muros de duas mesquitas.
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Casas etíopes no teto da Igreja do santo Sepúlcro. |
Os armênios levaram a ideia de estabelecer sua própria comunidade
fechada ao limite – construíram seus muros dentro dos muros. Como todos os
outros, chegaram em Jerusalém por motivos religiosos e fundaram suas sociedades
baseados no princípio da preservação máxima dos costumes e tradições. Só se
relacionam entre si (os casamentos são previamente arranjados), praticam seus
cultos na igreja cristã armênia, têm horário de entrada e saída dos próprios
muros – que fecha, todos os dias as 22h.
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Coral na Igreja Cristãs Armênia. |
Foi a maneira que encontraram de se
“resguardar” do restante da situação política da região e voltar-se
exclusivamente para as questões internas – como, por exemplo, a querela entre o
antigo dirigente máximo dos armênios ortodoxos que, acusado de corrupção, foi
deposto do cargo (vitalício) e recusa-se a aceitar a decisão. Hoje mantêm-se
encastelado no principal edifício da ordem onde convive em regime de clausura
com o outro dirigente, já empossado. Disputas à parte, todos os dias eles fazem
uma celebração as 15h, cantada a capela exclusivamente
por homens onde é possível entrar e assistir discretamente – só não cruze as
pernas (em qualquer formato) para não levar um belo puxão de orelha armênio.
O chamado Muro das Lamentações (West Wall) é um dos lugares mais
sagrados para os judeus que acreditam ser parte do que um dia foi o antigo
Templo de Salomão. Ali, homens a esquerda e mulheres a direita, separados por
um alambrado, fazem preces e depositam suas orações em pequenos bilhetes
encravados nas brechas do muro. O movimento ritmado acompanhado do murmúrio
conjunto das rezas, entorpece quem está por perto na certeza de um diálogo
silencioso criado pela harmonia daqueles movimentos.
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Judeus Ortodoxos rezam no Muro das Lamentações. |
A poucos metros do muro é possível entrar na fila para conhecer o Dome of the Rock (Templo da Pedra) que supervisiona
toda Jerusalém com sua cúpula dourada. À propósito desta, reza a lenda que um
dos reis da Jordânia vendeu um apartamento em Londres para reconstruí-la toda
recoberta em folhas de ouro – tá, meu bem? O fato é que a chegada neste monumento
é uma aula prática sobre o grau de complicação de um da difícil convivência
entre os moradores da cidade.
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Menino muçulmano bebe água em local para ablução. |
Durante nossa permanência na fila, inúmeras placas alertavam os
judeus de que, para eles, era proibido subir até àquela plataforma porque, por
ter sido o lugar de construção do Templo de Salomão, eles poderiam estar
pisando em local sagradíssimo sem saber – o que é condenável pela religião.
Além disso, convenhamos, é o sítio mais sagrado para os muçulmanos.
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Parte do Templo da Pedra. |
A fila termina em um raio-x onde passam-se apenas dois por vez depois
de uma rígida revista de malas. É estritamente proibido entrar com qualquer
artigo religioso (Bíblia, velas, crucifixo, quipá, etc) que possa incitar má
interpretação e/ou ofensas por qualquer um dos lados – ninguém quer ser
responsável por começar uma guerra.
Depois, você atravessa uma ponte onde, embaixo, estão sendo
conduzidas mais escavações arqueológicas que revelam novas faces do Muro e
antigas pavimentações romanas. Construída em madeira, tem caráter “temporário”,
esta ponte também é alvo de disputas: não há acordo sobre quem deveria erguer a
versão definitiva para que não haja posterior reivindicação de domínio sobre o
local.
Chegando finalmente ao Templo da Pedra, um pátio livre imenso dá uma
sensação gratificante de paz e tranquilidade. No entanto, durante o Ramadan, o
vão livre chega a ser tomado por mais de 300 mil muçulmanos que rezam cinco
vezes por dia voltados para Meca. A mesquita é uma deslumbre à parte (que só
pode ser apreciado por fora): paredes gigantescas ricamente decoradas em azul com
detalhes em vermelho numa explosão de cores vivas.
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Detalhes absolutamente incríveis. |
Ivan e sua barba foram prontamente abordados por um dos fiscais que
guardam a entrada do prédio e investigam eventuais impostores religiosos que
querem entrar só para dar uma espiada, fazendo-os recitar trechos do Alcorão. No
caso do Ivan, foi difícil convencer o homem de que não, ele não era muçulmano.
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Ivan, Muslim version. |
O Monte das Oliveiras é o local onde os cristãos acreditam que Jesus
foi traído e preso. Por ficar fora dos muros o lugar normalmente não está
lotado de excursões mas vale fazer a subida a pé, passando pelo belo cemitério
judaico e acompanhando passo a passo o nascer da cidade. É de lá que é possível
ter a vista mais bonita do município, uma panorâmica dos muros e seu
significado como fortaleza histórica e repositório de fé.
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Igreja no Monte das Oliveiras. |
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Gabi chamou de Palácio da Jasmine (Alladin), mas é a igreja russa no mt. das Oliveiras. |
Voltando para o centro de Jerusalém, em sua principal avenida (Jaffa
Road), os cafés e restaurantes se espalham alheios (e talvez um pouco cansados)
de tanta discussão. Os jovens tomam conta da cidade desfilando de bota e meia
calça em um frio que não assusta quem quer ir pra noite e aproveitar os pubs, sorveterias
e bares que convidam para uma balada.
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"lodjinhas" que se espalham por todos os cantos na cidade velha. |
Tem para todos os gostos: desde galerias
com artistas descolados até restaurante japonês, mercado gourmet e cafeterias
24h com wifi grátis para os mais
conectados. Foi lá que, com a Mãmis, comemoramos no Canela o jantar mais
sofisticado que fizemos na viagem, comendo pratos internacionais perfeitamente
preparados e um vinho israelense que foi o melhor que tomamos no país.
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Jaffa Road no começo da noite. |
Longe do centro histórico mas também local fundamental para conhecer
é o Museu do Holocausto. Com uma das
curadorias mais incríveis que já vimos em museus do mundo todo, esse lugar conta
a história do desenvolvimento do nazismo na Alemanha e toda a máquina de
extermínio do regime que se seguiu. Localizado em um parque muito bonito
integrado à uma arquitetura única o passeio de uma tarde toda vale muito a
pena. Vá preparado para fortes emoções pois não será um dia fácil, ainda que
obrigatório para toda pessoa humana. É lembrar a nossa história para não
repetí-la jamais!
Na volta, ainda tentando digerir tudo, fomos surpreendidos por
alguns garotos brincando com bombinhas. Alguns davam risada outros olhavam
torto e aqueles que eram pegos desprevenidos, paralisavam institivamente. Na
maioria, se via um riso tenso. Jerusalém é uma cidade difícil de explicar e que
precisa, acima de tudo, ser sentida. Do ponto de vista religioso, do ponto de
vista político, do ponto de vista histórico, é preciso estar ali para entender
a complexidade do mundo de hoje. Só não pode não ir e passar correndo por lá.
2 comentários:
Viver Jerusalem é iniciar o real aprendizado do signigicado do verbo respeitar.É ter a certeza da fé inquebrantável.
Gabi e Ivan!
Mesmo que não conhece, como eu, fica com a sensação de que, durante todo o passeio, há um turbilhão de emoções e de impressões que demoram a desaparecer...
É impressionante a riqueza dos detalhes que vcs descrevem e agradeço a oportunidade de viajar com vocês!
Estou atrasada nas leituras... mas vou alcançá-los!!!
bjsssssss
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