Depois de ter visto muitas cavernas com templos no estado de
Maharashtra, era hora de partirmos para uma boa dose de selva. E como o casal
aqui é bastante ousado nos seus sonhos, após de uma longa pesquisa colocamos na
cabeça que iríamos nos despencar para o centrão da Índia, no estado de Madhya
Pradesh & Chhattisgarh para, com muita sorte, ver uma das maiores belezas das natureza: o tigre.
Hoje, felizmente a Índia conta com 39 reservas de tigre espalhadas
por todo o país que fazem um trabalho árduo e louvável de tentar recuperar a
população deste animal que beira a extinção. Ainda assim, no último censo o Project Tiger localizou 1.500 indivíduos
espalhados nos 32 mil km quadrados reservados aos santuários e, mesmo assim,
insuficientes para proteger os felinos da caça ilegal e venda no mercado negro.
O Parque Nacional de Bandhavgargh
possui a maior densidade populacional de tigres em toda a Índia, contando hoje
com 65 indivíduos (incluindo filhotes) distribuídos em seu território. É ali
que teríamos, estatisticamente, maiores chances de avistar este maravilhoso
animal e, justamente por isso, fomos pulando de trem em trem para atravessar o
interior do país numa jornada que no total durou 23 horas.
Estávamos completamente exaustos e
depois de um trecho final de taxi onde quase tivemos um acidente (com
caminhões, carros, vacas e pessoas) pelo menos umas dez vezes. Depois de passar por essa experiência, avisei o Ivan
que aquela seria a nossa última viagem pelas estradas da Índia – pelo menos a
noite.
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"Sabe o que seria legal? Ver um tigre comendo um veado..." Essa era a brincadeira enquanto procurávamos os tigres e só encontrávamos outros animais. |
Aqui fica uma dica importante: ainda
no Sri Lanka, quando começamos a pesquisar a questão dos safaris de tigre na
Índia, descobrimos que os parques têm uma política de que os bilhetes só podem ser adquiridos
pela internet e com muito tempo de antecedência. Em março, nós fomos pesquisar
entradas para meados de abril e no site só havia disponibilidade para início de
maio – ou seja, vale a pena comprar com muita antecedência para não passar
perrengue.
Mas, como a gente é brasileiro e não
desiste nunca, resolvemos ir até lá mesmo assim contando com a
possibilidade de conseguir comprar os bilhetes com a ajuda do hotel e/ou com
alguma possível desistência. O fato é que assim que chegamos avisamos o hotel
que queríamos fazer o safari na manhã seguinte e o gerente já fez aquela cara de
“olha, meu senhor, os bilhetes só podem ser comprados pela internet...”. E eu
prontamente respondi com um “moço, pelo-amor-de-deus, nós viajamos mais de 23
horas para conseguir chegar até aqui, será que não tem como dar um jeito?”. No
final da tarde ele veio nos avisar que tinha conseguido as entradas e que
sairíamos às 5h30 da matina do dia seguinte. Ufa!
Nós dois estávamos excitadíssimos
com a possibilidade, ainda que remota, de ver um dos nossos bichos prediletos
em ambiente natural. O tigre é sem dúvida uma das criações mais belas da
natureza (se não “A” mais bela), num equilíbrio perfeito entre beleza
espetacular e força mortal combinadas com uma graça quase irônica. Felinos em
toda sua essência só que ainda mais misteriosos.
Na manhã seguinte acordamos as 5h,
subimos encapotados no jipe do hotel e seguimos para a entrada do parque. Lá
apresentamos nossas entradas e pegamos nosso guia, responsável principalmente
por rastrear os tigres por meio de pegadas e gritos de aviso dados por um
pássaro que invariavelmente dá o alarme toda vez que o felino está por perto.
Para quem tinha passado pelos safaris da Tanzânia, Quênia e Uganda, confesso
que ficamos um pouco desapontados com a operação como um todo porque na verdade
ninguém explica nada, o motorista e o guia falam um inglês limitado e
ininteligível, não há uma cooperação entre os carros via rádio para avisar os
outros se alguém vir algo – aliás, descobrimos que há uma competição bastante
acirrada neste ponto.
Com isso, ficamos rodando pelo
parque das 6h as 10h em busca de qualquer sinal dos felinos rajados. No caminho
vimos vários veados (idênticos ao Bambi!), inúmeros macacos comendo as flores
das árvores ou bichinhos na grama, pássaros de todas as cores (inclusive vários
pavões), uma manada de búfalos selvagens, alguns chacais, uma família de
javalis e... nenhum sinal de tigre. Na verdade, o mais próximo que chegamos
deles foram duas pegadas na estrada e apenas um chamado de alarme que não
resultou em nada.
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Pegadas até achamos, mas tigre que é bom... |
Fué, fué, fué, nosso primeiro safari
foi um fracasso – mas é assim que funciona quando se trata da natureza. De toda
forma, tivemos uma super recompensa no caminho de volta para o hotel: um indiano
vinha tranquilamente andando no seu elefante asiático no meio da estrada, a
caminho do trabalho. É claro que eu fiz uma cara de pidona e pedi, por favor,
se não dava para fazer um carinho naquele paquiderme imenso, que seria a minha
primeira vez. O guia, com aquela cara de “mais uma turista que nunca viu um
elefante...” pediu para o moço se aproximar e eu, que normalmente sou bastante
atirada com animais, confesso que fiquei tímida (pra não dizer medrosa) quando
vi aquele bicho gigantesco, com duas presas de marfim do tamanho da minha
perna, encostar no jipe.
Ali fiz meu primeiro carinho num
elefante. Foi a primeira vez que toquei na pele áspera de um dos animais mais
inteligentes e sensíveis emocionalmente do mundo – e eu senti tudo isso, claro.
O contato foi rápido, ele buscava com a sua tromba enorme alguma coisa
interessante para comer dentro do carro e logo depois que viu não tínhamos
nada, perdeu o interesse. Eu, por outro lado, aproveitei esses minutos para
experimentar seu couro extremamente grosso, as presas de um marfim quase macio
e olhei nos seus olhos para ver se ele me via.
Assim que chegamos no hotel, ficamos sabendo que ninguém havia visto
nenhum tigre – e esta era a situação de alguns dias. Já um pouco preocupados,
foi aí que conhecemos uma turma de fotógrafos indianos especialistas nestes
felinos e eles nos deram uma segunda dica. Como em todas estas reservas
naturais, sempre há um lugar “melhor” para se ver os bichos, uma entrada “VIP”
que, é claro, paga-se mais caro para tanto. Em Bandhavgarh, o nome deste lugar
é Tala Gate, um portão específico que
dá acesso a uma parte mais restrita do parque, com mais fontes de água e uma
maior concentração de famílias de tigre. Todos estes são fatores fundamentais
para aumentar as suas chances de ver o animal – e naquele mesmo dia eles tinham visto três
grandes machos esparramados bem no meio da estrada, tomando sol. (Não, não,
imagina, a gente nem ficou com inveja.)
No dia seguinte demos a largada para uma corrida desenfreada para conseguir algum ingresso de desistência para entrar no Tala Gate. Como era um sábado, acho que todo mundo teve a mesma ideia – porque, óbvio, o que todos querem é ver a atração principal do lugar. Em mais uma demonstração de bravura incomensurável, Ivan se meteu no meio da “fila” de pessoas enlouquecidas urrando atrás de um possível ingresso remanescente para aquele portão específico. Ao cabo de vinte minutos de caos total (como são todas as filas na Índia), a atendente informou que não havia mais ingressos e nós tivemos que nos contentar com uma entrada para um portão genérico.
De toda forma, entramos no parque com todas as energias positivas
que pudemos reunir (mandingas, promessas pra São Longuinho, figas e cordãozinho
no pescoço) para ver o tigre. Dizem que durante a manhã o período de maior
probabilidade para se ver o bichano é das 6h as 8h30, quando não está tão
quente. Por conta da confusão do Tala
Gate nós tínhamos saído bastante atrasados e as 9h já tínhamos quase
perdido as esperanças. Foi quando começamos a ver uma corrida desenfreada de
jipes para um determinado local – e o nosso motorista não se fez de rogado,
saiu rasgando atrás deles.
Ai fica a diferença com os safaris mais experientes da África: todos
os jipes, independente da empresa, ajudam-se uns aos outros por meio de rádio
para encontrar os bichos mais legais. Num sentido de cooperação positiva eles
sabem que turista feliz é igual a gorjeta mais gorda, e portanto trabalham
juntos para encontrar o maior número de animais possíveis e todo mundo ganhar
com isso.
Em Bandhavgarh foi completamente diferente: era uma competição de
jipes enlouquecidos e (turistas sem entender nada do que estava acontecendo)
para ver quem chegava primeiro. Nenhum motorista passava informação para o
outro e o primeiro carro a arrancar era imediatamente seguido por todos os
outros numa corrida onde valia tudo – inclusive cavalo de pau, parar bem na
frente de outro carro sem dar visão para as pessoas, jogar poeira em quem
ficava pra trás.
Foi nesse fuzuê que, de repente, mais de 12 jipes se espremeram
entre um pequeno trecho da estrada e uma fêmea gigante atravessou o caminho
tranquila, alheia aos expectadores em transe. Ela desfilou linda e majestosa
por exatos 7 segundos, desdenhando solenemente as lentes ávidas por pelo menos
mais uma foto – o máximo que conseguimos foram três cliques de meia tigresa.
E aí mais uma vez a natureza se revela dela, e só dela. Imprevisível
por definição, ela faz com que qualquer aparição, mesmo que por alguns
segundos, tenha um sentido ainda maior de sorte e oportunidade. Com a nossa
tigresa não poderia ter sido diferente: com o mesmo ar felino e despretensioso
que surgiu, ela foi embora, no melhor estilo celebridade. E nós em êxtase,
agradecemos pelo ar da graça e pela chance quase inacreditável de ver uma
animal deste em seu ambiente natural. Sete segundos que valeram a pena e vão ficar
na memória.
Um comentário:
Estão ficando exigentes com o desfile dos bichos selvagens!!!
Eu adoraria estar aí com tigre ou sem tigre. Valeu a foto da bichana majestosa!!!
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