Na nossa passagem pela Índia, decidimos que gostaríamos de ter
algum tipo de conhecer e vivenciar a India "espiritual" nesses quase dois meses. Num intervalo de uma
semana entre a nossa saída de Varanasi e o início do percurso pelo Rajastão,
elegemos Rishikesh, uma cidade mais ao norte do país, como ponte de partida
para essa busca.
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O Ganges corta a cidade em duas. |
Para tanto, começamos a pesquisar nos guias, na internet e conversar
com algumas pessoas sobre a possibilidade de ficarmos em um ashram. Os ashrams fazem parte da cultura milenar indiana, como sendo espaços
tradicionalmente dedicados ao retiro espiritual conduzidos por um líder (guru), onde os visitantes ouvem
palestras, praticam yoga, meditação e fazem algum tipo de trabalho voluntário.
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Templo hindu na beira do rio. |
Estes
lugares têm um código de conduta rígido, pautado por uma vida “monástica” que
justamente auxilia no processo de introspecção pessoal e, por
princípio e teoricamente, não têm fins lucrativos e vivem de doações.
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Cenas de Rishikesh. |
O fato é que há pelo menos 50 anos atrás esse pessoal descobriu que
poderia fazer (muito) dinheiro vendendo espiritualidade para ocidentais. E
desde que os Beatles resolveram ir para a Índia nessa mesma onda (e pasmem,
para Rishikesh!) a coisa só piorou e, com o perdão do trocadilho, virou pop.
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Rua principal do comércio. |
Hoje, existem ashrams de todos os
tipos e gostos, desde os mais espartanos para a turma que gosta de sofrer
bastante pra depois contar em casa, até os do gênero “boutique hotel”, com ampla
programação de massagens e refeições vegetarianas. Todos eles, é claro,
muitíssimo bem pagos pelo cliente.
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Mais um macaquinho abusado... |
E os dois ingênuos aqui, acharam que com algum grau de pesquisa e
teimosia conseguiriam encontrar algum lugar "genuíno" que pudesse nos
proporcionar o tipo de experiência que estávamos buscando. Depois de ver alguns
lugares que pareciam mais “sérios” mas que diziam não ter vagas para os
próximos 2 meses, encontramos um ashram
em Rishikesh chamado Parmath Niketan.
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Shiva na versão modelete é o símbolo do Ashram. |
Mandamos um email com todos os nossos dados, conforme solicitado no
site, e depois de três dias sem resposta resolvemos ligar lá. Comecei a
conversa com um camarada bastante mal humorado que depois de rosnar algumas
resposta para perguntas que eu fazia timidamente, resolveu desligar na minha
cara. Insistente, liguei de novo e fui mais simplista, perguntando se eles
tinham vaga para o período que queríamos ficar e o cara disse veria o que fazer
quando chegássemos lá.
Assim que entramos no Parmath
Niketan, nos deparamos com um complexo imenso, de mais de mil quartos
separados em diversos “blocos” que ocupavam alguns quarteirões na frente do
Ganges. Este ashram específico
recepciona anualmente o Encontro Internacional de Yoga onde pessoas do mundo
todo pagam uma quantia considerável de dinheiro para ir até Rishikesh e ficar
dias fazendo... rá, acertou, yoga!
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Acomodações do Parmath. Belos jardins e clima de paz... e só. |
Nos dirigimos à recepção e depois de algum tempo fomos atendidos por
uma pessoa com cara de pouquíssimos amigos que nos perguntou se tínhamos uma
reserva. Como queríamos entender exatamente qual era o esquema antes de nos
comprometermos, pedimos algumas explicações sobre a programação e o cara
simplesmente nos disse que não tinha mais nenhuma vaga no ashram e apontou para um quadro onde as aulas de yoga exigiam uma
“doação compulsória” fixa dos seus participantes.
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Praia no Ganges. |
Resumo da ópera: a não ser que você já tenha um guru específico que
queira encontrar, buscar uma experiência num ashram genuíno de forma independente é quase impossível – e bastante
frustrante. Os ashrams mais
conhecidos tem um viés majoritariamente comercial, os gurus nunca estão lá
porque normalmente estão em outros países sendo muito bem pagos para dar
palestras, e durante o ano todo a renda do lugar movimenta-se em torno de
grupos de escolas de yoga e/ou meditação internacionais que vendem pacotes para
os seus alunos fazerem uma “imersão” espiritual na Índia. E é isso.
Despois de entender qual era o esquema da espiritualidade fast-food, resolvemos mudar nossa
estratégia. Ficamos num hotel – que, a propósito, saiu muito mais barato do que
ficar no ashram (onde seríamos
alocados num dormitório com banheiro compartilhado) – e resolvemos montar o
nosso próprio retiro espiritual com aulas de yoga, alimentação exclusivamente
vegetariana e participação em algumas cerimônias religiosas. E foi ótimo!
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Caminhada na beira do rio: muito stress! |
Por indicação de uma pessoa que conhecemos no hotel, fomos até a
Vini Yoga, onde uma professora japonesa ministra hatha yoga diariamente numa micro sala onde cabem até sete alunos
por vez. As aulas são pagas, acontecem três vezes ao dia (uma para iniciantes e
duas para avançados) e têm duração de duas horas mais meia hora de massagem
feita pela própria professora. A sensei (mestre
em japonês) é absolutamente maravilhosa e dá atenção focada a cada um dos
alunos, corrigindo as posturas e “cantando” a aula dando um ritmo fluido aos
movimentos. Todos os dias fazíamos a aula de manhã e saímos pingando da sala,
felizes da vida por estar aprendendo as posturas e acompanhando pequenas
evoluções a base de muito esforço. Revigoramos o corpo e o espírito!
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Foto auto-explicativa de Rishikesh: pontes, hippies, saddus e um macaco ladrão! |
Rishkesh gira em torno basicamente deste comércio de espiritualidade
que está centrado nas aulas de yoga e meditação. A cidade tem um significado
sagrado para os hindus por conta de ser banhada em toda a sua extensão pelas
águas cristalinas do Ganges. Em alguns pontos é possível nadar no rio e hoje há
algumas empresas que estão desenvolvendo a parte de turismo de aventura focada
no rafting e boiacross em algumas pequenas corredeiras que passam pro ali.
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Molecada joga cricket. |
Nesse cenário, a cidade é exclusivamente vegetariana, onde além de
carnes serem proibidas o ovo também não entra em nenhum cardápio – de derivados
animais apenas os laticínios são permitidos. Mas isso não significa que comemos
mal, muito pelo contrário: exploramos as combinações saudáveis do Health Cafe,
tomamos muito lassi e provamos com gosto as massas do restaurante do Green
Hotel.
Além disso foi uma boa experiência ficar sem carne durante uma semana, o
que provou que esse negócio de comer carne todos os dias é puro hábito – e,
convenhamos, não exatamente saudável nem sustentável.
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Gabi se joga nos lassies. |
Passamos uma semana em Rishikesh numa agenda que alternava aulas de
yoga, comida vegetariana e boas horas de descanso. A cidade mais new age da Índia pode irritar um pouco pelo
excessivo papo bicho-grilo superficial mas tem seus encantos às margens do
Ganges. Para nós, muito mais do que a bsca por uma iluminação espiritual, foi uma delícia
ter, durante alguns dias, uma rotina fixa que nos pautasse o dia-a-dia sem a
obrigação de conhecer mil lugares. Ali, fizemos um retiro de descanso da nossa
viagem – e não nos arrependemos nem um pouquinho.
3 comentários:
Queridos
Comprei um CD de Ravi Sankar para acompanhar a leitura durante essa passagem pela India.
Você tem alguma sugestão de hotel?
LInda cidade , pais maravilhoso ..
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