No dia seguinte acordamos de madrugada e pegamos um barco para ver o
sol nascer na outra margem – impossível uma metáfora melhor que essa para
aquele momento.
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A terceira margem do rio. |
Flutuando sobre o Ganges, vimos Varanasi, a Índia – e por que
não a nossa viagem toda – de outra perspectiva, mais serena e menos ansiosa por
tentar entender todas as experiências.
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Tirando a carinha de sono, toda a serenidade do rio. |
A partir dali internalizamos o fato de
que a única maneira viável de viajarmos em plenitude seria viver naquele tempo,
naquela hora mesmo que na maioria das vezes não conseguíssimos significá-las
completamente.
Este passeio maravilhoso, de apenas uma hora, nos deu outra visão da
cidade sagrada sendo iluminada pelo sol que nascia.
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Pessoas se banham no Pooja matinal. |
Dali vimos o Ganges alisar
com carinho todos os ghats onde
mulheres e homens faziam suas abluções e as crianças tomavam banho junto com as
vacas. Ali também, numa das margens, um casal de britânicos viu alguns cães
disputarem o corpo de uma criança que, fomos informados depois, normalmente não
são cremadas e sim entregues ao rio.
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Todo o colorido do sol da manhã. |
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Gabi e a cidade no nascer do sol. |
Perambular sem rumo pela cidade tomou outras dimensões: colocamos o
guia de lado e decidimos deixar que o destino nos levasse para as experiências
que julgasse pertinentes à nós. Numa dessas, seguimos algumas placas escritas
nos muros da cidade velha até chegarmos no melhor lassi que tomamos na Índia.
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A aglomeração no ghat para o banho da manhã. |
O Blue Lassi é um portinha
enfiada quase na esquina de várias ruelas e que que vai contra todos os seus
princípios (ou instintos) de higiene. Bem na boca da rua, um indiano sentando
no chão mexe vigorosamente um grande batedor de pau dentro de um pote de metal.
O iogurte, que fica armazenado ao ar livre em grandes tachos até criar uma
crosta grossa por cima, é batido na hora
e na mão.
As porções são individuais e vêm em potinhos de barro com uma
apresentação única: pedaços de fruta a sua escolha, misturados com iogurte
adoçado com mel, um punhado de pistache por cima e uns pedaços da tal crosta de
“queijo” que são disputados a tapa. Não se espante com o casal de camundongos
(veja bem, não são ratos) que passam desavergonhadamente pelas pernas dos
clientes. De tão maravilhoso não deu tempo nem de tirar foto – e olha que
voltamos algumas vezes lá para repetir a dose.
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Cenas do Ganges: o turista assume o remo e o remador vira o professor. |
Depois de um dia de andanças decidimos que era hora de tomar uma
gelada, no restaurante da laje da nossa pousada. Fizemos questão de fazer o
pedido de forma bem clara e quando o garçou voltou, veio carregando um bule
grande e duas xícaras. Ivan achou meio difícil o cara ter confundido beer (cerveja em inglês) com chai masala (chá indiano) e foi logo
pedindo pra trocar. O moço deu risada e qual não foi nossa surpresa quando ele
abriu o bule e nos mostrou que tinha cerveja dentro, explicando que nas margens
do Ganges, por ser um rio sagrado, não é permitido ingerir bebida alcóolica.
Tudo tem uma primeira vez – inclusive pra tomar cerveja no bule!
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É bom fazer coisa errada, não? |
Num dia em que Varanasi estava acordando, com o sol leve e as ruas
ainda não tão movimentadas, passeamos mais atentos ao comércio. As lojas são
todas de frente para a rua, normalmente sendo uma minúscula extensão da
residência do próprio vendedor, que fica nos fundos ou na parte de cima. É
impressionante como todos passam o dia inteirinho sentado de cócoras exercendo
suas atividades – posição que nós não aguentamos nem dois minutos.
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O encadernador. |
Foi num desses olhares mais detalhados que nos deparamos com uma
portinha estreita onde um senhor já de bastante idade (e igualmente de cócoras),
manuseava vários papéis.
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O ofíco. |
Chegamos mais perto e percebemos que ele estava
encadernando artesanalmente diversos livretos, numa cadência de gestos tão
precisos que denunciavam uma experiência que só pertence aos grandes mestres. Ali
mesmo encomendamos cinco caderninhos que ele fez questão de amarrar na hora,
proporcionando pra nós momentos únicos de apreciar uma arte popular que vai se
perdendo com o tempo, nesse nosso mundo tão industrial.
Mark Twain uma vez escreveu que “Varanasi
é mais antiga que a história, mais antiga que a tradição, ainda mais antiga que
as lendas e parece duas vezes mais antiga do que todas elas juntas”.
Salman
Rushdie, por sua vez, disse que esta é “a
cidade viva mais antiga do mundo, a cidade que já era velha quando Buddha era
jovem”. O fato é que ninguém está preparado para enfrentar o que Varanasi
tem a oferecer e ao mesmo tempo não há alma no mundo que possa (ou deva)
abdicar da vivência desta cidade. É sem dúvida um dos lugares mais únicos da
Terra, sedimentado em milhares de anos de tradição em torno de rituais que
abraçam o sagrado e o profano numa combinação singular. Vá – e viva.
4 comentários:
Que belas fotos!!! Parabéns!!!
Cheguei aqui por indicação do Riq!!!
Amei o blog de vcs e vou acompanhar de pertinho os passos das viagens!
Bjs
Estão de Parabéns mesmo !!! Acompanhando o blog !
Lindo relato. Me deixou mais ansiosa pela viagem que farei em fevereiro. Parabéns, você escreve muito bem.
Lindo relato. Estou mais animada com minha viagem em fevereiro. Parabéns, vocês escrevem muito bem e as fotos são sensíveis e inspiradoras.
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